Meu cabelo se mexia insistentemente, fazendo escapar o calor que eu tentava manter agarrado à minha nuca. E eu, besta como só gente deslumbrada consegue ficar, passei o tempo todo pensando no frio gostoso que batia na minha cara, enquanto anotava mentalmente a tarefa de comprar uma jaqueta daquelas, de couro, como as que todos ao meu redor usavam. A imagem daquela roupa, pesando nos meus ombros, tão fora de mim, me levou a rir sem quê nem mais, numa expressão melancólica que mentes bêbadas e sóbrias dificilmente compreenderiam, ainda mais naquela rua cercada por noite escura, de luz fosca e fugidia, na qual eu mal enxergava a mim mesma, quem diria o sorriso dos outros. Mas engraçado como todo aquele espaço, aqueles grupos, aquelas jaquetas, expiravam, transpiravam, regurgitavam, rock. A música só estava, efetivamente, presente na mente e celulares ligados em mãos e cérebros suados de álcool. As caixas de som, estranhamente desligadas, não explodiam em acordes ou solos agudos, nem me faziam tremer com as notas do baixo. O chão estava firme e eu podia, ironicamente, ouvir meus próprios sapatos, tamborilando no asfalto, tentando fazer música com uma só nota. Mas olhando em volta, respirando com calma, sentindo os braços se fecharem em mim, protegendo-me inconscientemente do frio que fazia arder no corpo, foi fácil perceber como é que a música passa a criar vida fora do intangível, ganhando características palpáveis, palatáveis, degustáveis, reais. A cor preta, a maquiagem carregada, as motos, as lutas, as bebidas, as expressões, a postura, a habilidade única de instigar medo para quem está de fora, confiança para quem está dentro, e risadas, para quem quer que preste atenção. Amizades. Força. E as jaquetas. Ou, em uma palavra, rock. Não ouvir rock, mas ser rock. Ser música em um nível que, para mim, é intangível. Mas então, no meio da madrugada, isso já não importava, e eu me deliciei com o vento cortante que já fazia sangrar minha nuca. Sonhei acordada com uma jaqueta de couro quando percebi, atônita, que as caixas de som, ainda silenciosas, explodiam sim em acordes e solos agudos, o chão, nada firme, me fazia tremer com as notas do baixo, e o tamborilar do meu sapato no asfalto encontrava outras notas para acompanhá-lo. Todos sons executados pelos espíritos bêbados e livres de cada uma daquelas pessoas. Agradeço mentalmente a existência deles, que me permitiram tatear, cheirar, degustar, enxergar o rock. O sorriso que me deforma o rosto é um tanto quanto indecifrável, mas tudo bem. Graças à luz fosca e fugidia ninguém me percebe. Ou, melhor dizendo, graças a tudo estar tão imerso em rock ninguém consegue perceber mais nada, e, pensando bem, ninguém precisa ver mais nada. O rock se basta. O rock nos basta. E, mesmo se não bastasse, temos ainda álcool e, claro, as jaquetas de couro.
Mariana Martins